Na Jamaica, é dito que cada pessoa possui duas almas. Uma
delas seria uma alma boa, cultivada por Deus; enquanto a outra seria uma alma
terrestre e secular. Estes espíritos terrenos teriam a capacidade de sair do
corpo humano durante o sono, surgindo como sombras e praticando coisas que seu
hospedeiro lembrará apenas como um sonho. Quando alguém morre, o espírito bom vai
ao julgamento divino no céu. Já o espirito terrestre permanece durante três
dias junto ao corpo no caixão. Caso escape da sepultura, ele vagará pelas
terras jamaicanas como um espírito infeliz, o malévolo Duppy.
A partir de sua origem jamaicana, a lenda dos Duppies logo
se espalhou pelo folclore de outros lugares do Caribe, como Barbados. A palavra
“duppy” tem sua origem no oeste da África, sendo agregada ao patoá jamaicano –
significando fantasma ou espírito. Segundo a lenda, podem visitar suas vítimas
a qualquer hora do dia; dizem que eles gostam de aparecer ao meio-dia. Porém, é
notório que sempre saem durante a noite para caçar. Praticam simples
travessuras, e também, ações mortíferas. Causando dor àqueles que são tomados
pelo medo, até o nascer do sol.
Em seus estudos acerca do mito, o folclorista
norte-americano MacEdward Leach, publicou um artigo intitulado “Jamaica Duppy
Lore”, em 1961. No artigo, é explicado que o termo Duppy possui três conceitos no
país. Em um deles trata-se da alma de uma pessoa morta, manifestada em forma
humana. Outro conceito fala sobre almas manifestadas na forma de criaturas
fabulescas ou de animais. Por fim, também pode ser correlacionado a uma ordem de
seres sobrenaturais, vagamente associados à morte.
Dentre os conceitos apresentados, aqueles que atribuem aos
Duppies a habilidade de se incorporarem como bestas fantásticas, ou de serem
uma classe de criaturas sobrenaturais, são demonstrados em exemplos citados
pela folclorista e etnógrafa norte-americana Martha Warren Beckwith. Em seu livro
“Black Roadways: A Study of Jamaican Folk Life”, de 1929, ela confirma alguns tipos
de Duppies, bem como outros estudiosos, trazendo suas materializações em seres
do imaginário jamaicano. A seguir, citarei alguns dos mais temidos.
O Cavalo-de-Três-Patas é um dos Duppies mais populares,
muitos jamaicanos contam sua lenda. É narrado como uma criatura pavorosa de
velocidade inimaginável. Galopando mais rápido do que qualquer cavalo já visto,
ele percorre toda a Jamaica fazendo vítimas com seu hálito venenoso. Apesar dos
atributos espantosos, existe uma maneira de superá-lo e evitar a morte; a criatura
nunca ataca em meio à escuridão total. O Cavalo-de-Três-Patas precisa de luz
para agir, seja ela do luar ou artificial. Então, por incrível que pareça,
quanto mais escuro, melhor para detê-lo. Dizem também que você pode esconder-se
à sombra de uma árvore, que ele não irá avançar.
O monstruoso equino só pode ser montado pelo Whooping Boy, outro
Duppy, que o guia aparelhado por um chicote. Possui a aparência de um garoto de
cabelos longos, dono de assustadores olhos vermelhos, que emite gritos e risos
atroadores e animalescos. Apesar de sua ligação com o Cavalo-de-Três-Patas, é
justamente sozinho pelas florestas que ele é mais perigoso, agitando-se pelos
galhos das árvores à espera de viajantes solitários para apavorar.
Existem algumas outras espécies de Duppies, mas o Bezerro Urrante
é um dos piores e mais amedrontadores, uma criatura bovina e demoníaca de proporções
descomunais. Também descrito como uma cabra sem chifres, nesta forma teria uma pata
da frente humana e a outra equídea, com as duas patas traseiras de cabra. Sua
cauda faz uma leve curva sobre as suas costas. Em ambas as formas, tem olhos
vermelhos e flamejantes, cuspindo chamas infernais pelas narinas; além de
carregar uma espécie de coleira no pescoço com correntes que envolvem seu corpo
e se arrastam pelo chão, trazendo consigo apreensão e calafrios ao alertar a
vítima sobre sua temida chegada. A criatura pode ser branca, preta, ou
manchada. Entidade de muitas aparências, também pode surgir como
gato, cachorro, porco, ou cavalo.
Segundo a lenda, esse tipo de Duppy surge a partir da alma perversa
de um assassino ou de um açougueiro. Deve-se tomar todo o cuidado ao caminhar
pelos campos jamaicanos durante a noite, pois o Bezerro Urrante pode ser encontrado
entre bambuzais e álamos, assim como em cavernas e casas abandonadas. Ao avistar
uma desventurada vítima, a criatura trará desgraça e sofrimento, incinerando o
pobre viajante noturno com seu violento sopro ardente.
Assim, nota-se o quão misteriosos e inquietantes são os
conceitos jamaicanos sobre os Duppies, porém, eles carregam uma síntese em
comum: o terror sempre estará à espreita.