A personagem política e empreendedora
de Ana Jansen, também conhecida como Donana, ficou marcada de forma emblemática
e controversa, tanto na história, quanto no imaginário do Brasil. Descendente da
nobreza europeia, instalada em São Luís, na então província do Maranhão, conta-se
que foi expulsa de casa pelo próprio pai, ainda adolescente, severamente julgada
como uma mulher desonrada após gerar um filho de paternidade desconhecida. Sem
dinheiro e com um recém-nascido para criar, ela precisou reunir forças para
seguir em frente.
Desamparada, Ana Jansen
passou por um período muito difícil, até conhecer um riquíssimo coronel chamado
Izidoro Rodrigues Pereira. Ela foi sua amante por muito tempo, morando em uma
casa cedida por ele. Os dois tiveram cinco filhos, e, após a morte da esposa de
Izidoro, casaram-se e tiveram mais uma filha.
Depois de 15 anos juntos,
com o falecimento do marido, Ana Jansen passou a controlar os negócios da
família, dispondo da maior produção de algodão e cana-de-açúcar do Maranhão – uma
das maiores de todo o norte* do Brasil Império. Como uma grande empresária, passou
a vender terras improdutivas e comprar imóveis, triplicando e aproveitando o
patrimônio herdado. Nessa época, em pleno século 19, também ganhou o apelido de
Rainha do Maranhão, assumindo uma liderança política na região e aliando-se com
grupos opositores ao Partido Conservador.
Embora exercesse uma notável
influência sócio-política, uma mulher contestadora e com tamanho poder não era
bem vista pela sociedade moralista da época. Para piorar, mais uma vez, ela havia
se tornado amante de um homem rico, o desembargador Francisco Vieira de Melo,
com quem teve mais quatro filhos. Assim, cercada de inimizades e olhares de
julgamento, ficou sentenciada não apenas como uma figura autoritária, mas
também como um retrato da depravação.
Com isso, já bastante mal
falada, também começaram a circular histórias sobre uma face sádica de Ana
Jansen, atribuindo a ela incontáveis atrocidades contra seus numerosos escravos.
Onde ela até mesmo caminharia sobre eles para entrar em seu grandioso casarão –
existente até hoje e, segundo os ludovicenses, impregnado de assombrações –, simplesmente
para não pisar no chão com seus tamancos requintados. Em meio a fatos e rumores,
a verdade é que todos esses elementos contribuíram diretamente para gerar muitas
lendas acerca de Ana Jansen, sobretudo após a sua morte, em abril de 1869.
A lenda mais famosa conta
que, para pagar os seus pecados, a alma de Ana Jansen foi condenada a vagar
perpetuamente por São Luís; partindo de um cemitério, nas noites de quinta para
sexta-feira, em uma carruagem fantasmagórica. Terrivelmente conduzida por um
escravo sem cabeça, de corpo ensanguentado, e puxada por diabólicos cavalos decapitados,
que marcham mediante um aterrorizante trote do além.
Dentro da carruagem encontra-se
sentada Ana Jansen, toda vestida de preto, exibindo o poderoso brasão de sua
família no pescoço. Surge carregando uma vela acesa, que entrega para as
desafortunadas testemunhas de seu trajeto. Narra-se que na manhã do dia
seguinte, como um ameaçador alerta aos notívagos passeantes, quando não rezam
pela alma da matrona, a vela transforma-se num artefato mórbido: um osso de
defunto.
Ainda hoje, sob o luar
nordestino, na hora mais silenciosa da noite, iniciado como um leve sussurro
nas trevas, pode-se ouvir uma batida de cascos nos paralelepípedos das ruas do
centro de São Luís. Um som que aumenta. Propagando-se como a escuridão. Acompanhado
pela penosa toada das rodas daquela carruagem luxuosa e maldita. Onde nem o
taciturno canto de um urutau poderia causar mais angustia aos moradores do que tal
ressoar espectral.
* As divisões e incorporações regionais daquele período eram diferentes das atuais.