Batalhas históricas que
marcam o passado; sítios arquitetônicos que conservam-se no presente. Com mais
de 27 mil habitantes, e localizada no estado do Rio Grande do Sul, a cidade de Jaguarão
teve origem em um acampamento militar por volta de 1802. Seu território já foi
palco de inúmeros confrontos em disputas portuguesas e espanholas, refletidas em
sua fronteira com o Uruguai. Inclusive, Jaguarão recebe a poderosa alcunha de “Cidade
Heroica”, pois teve papel fundamental durante a Guerra do Uruguai, na chamada Batalha
do Jaguarão, que foi travada em 1865. As forças jaguarenses resistiram bravamente
a uma intensa invasão, mesmo em menor número. Cerca de 500 praças fizeram 1500
uruguaios baterem em retirada.
Hoje os tempos são
outros, muito mais pacíficos. A cidade é ligada ao país vizinho (diretamente até
Río Branco) através de seu grande cartão-postal, a Ponte Internacional Barão de
Mauá, composta por torres monumentais que evocam uma fortaleza imponente – reconhecida
como primeiro patrimônio cultural do Mercosul. Tal ponte atravessa o homônimo
rio Jaguarão, que dá nome à cidade; e assim foi batizado por conta de uma brutal
criatura mitológica conhecida como Jagua-ru, que habitaria suas redondezas impregnando
uma aura fantástica no local.
A figura do Jagua-ru é
intrínseca à história da cidade gaúcha, está presente até mesmo no brasão do
município. Recolhendo informações com os moradores, também verifiquei que
aprendem sobre a lenda já nas escolas. Essa criatura quimérica e terrível é
descrita com o tamanho de um cervo, corpo de lobo-marinho – ou cauda de peixe,
em algumas raras versões –, cabeça e patas dianteiras de onça, e coberta por
uma pelagem espessa.
De acordo com a Mitologia
Guarani, o Jagua-ru ficava à espreita entre as barrancas, aguardando por suas
presas. No mais ínfimo sinal para agir, começava a escavar com suas garras
violentas, provocando desmoronamentos próximos às margens dos rios. Fazia isso
de forma ardilosa, para derrubar suas vítimas na água, avançando freneticamente
até elas com sua bocarra repleta de dentes. Curiosamente a fera não devorava
sua caça por completo, arrastava o corpo humano ou animal para fora da água, e apenas
extraia o pulmão para deleitar-se, arremessando o restante de volta para o rio.
A lenda do Jagua-ru
também percorre por outros rios e países sul-americanos. Justamente por conta
de sua origem nas terras dos guaranis, que hoje são demarcadas por fronteiras.
O monstro está presente nos folclores de Argentina, Paraguai e Uruguai, onde é
chamado de Yagua-rón, ou Yaguarón; apresentando o mesmo histórico de
destruições nas ribanceiras e apetite por pulmões. Mas, por essas áreas, sua
descrição física traz variações: é narrado como um grotesco lagarto com cabeça
de cachorro.
Ainda sobre o bestiário
de nossos países vizinhos. O antropólogo Adolfo Colombres, em sua obra “Seres
Sobrenaturales de La Cultura Popular Argentina” (1984), também fala sobre uma
criatura chamada Teyú-Yaguá, ou Teju-Jagua, presente unicamente na região missionária argentina e no Paraguai; que, dentre algumas descrições, poderia variar de um monstro com
características aquáticas, até um enorme lagarto com sete cabeças de cachorro. Esta
versão, com as sete cabeças, é bastante popular no Paraguai, pois foi inserida
na narrativa dos filhos de Tau e Kerana, difundida pelo poeta Narciso R. Colmán
em sua obra “Nuestros Antepasados”, publicada em 1937. Assim, podemos considerar
o Teyú-Yaguá também como uma diferente representação do Yagua-rón, ou um outro
ser, mas com uma provável mesma origem lendária.
Voltando ao Brasil. Há
tempos que o Jagua-ru não aparece por aqui. Talvez ainda esteja pelas barrancas
de Jaguarão, porém, agindo silenciosamente. Resistindo às investidas e
armadilhas que não podem conter seu ímpeto ancestral.