Nas regiões que hoje
compreendem a bacia do Araguaia-Tocantins, especificamente nas terras
tocantinenses, de acordo com os Apinajé, subindo por uma grande serra, dentro de uma tenebrosa
e hostil caverna, vivia uma insólita nação de indígenas com asas de morcego,
conhecidos como Kupen-dyêb – também grafados como Kupê-dyeb ou Cupendiepe;
nomenclatura que pode ser traduzida como povo morcego.
Segundo as narrativas
orais, essas criaturas aladas vagavam somente ao anoitecer, voando armadas com
seus machados semilunares; que são referidos assim pois detinham o formato de
uma lua minguante, como se fossem pequenas âncoras de pedra. Os Kupen-dyêb conduziam
tais armas pela escuridão dos céus, degolando brutalmente pessoas e animais
noite adentro com suas investidas rasantes, desferindo uma forte pancada na
cabeça daqueles que ousavam aproximar-se do seu território.
Certa vez, um menino e dois
caçadores Apinajé ousaram pernoitar justamente nas redondezas do inóspito
território da tribo morcego. O perigo não demorou a surgir. Nos primeiros minutos
após o pôr do sol já era possível ouvir o estrídulo gargantear dos Kupen-dyêb. Com
medo, o garoto indígena foi logo escondendo-se pelas matas, de onde viu o
triste fim dos dois descuidados caçadores, que permaneceram estáticos ao lado
da fogueira que haviam acendido, e literalmente perderam a cabeça.
O menino foi bastante
ágil e conseguiu fugir de volta para sua aldeia, ofegante de tanto correr, e todo
apavorado, contou aos líderes sobre o terrível ocorrido. Foi quando os Apinajé
reuniram guerreiros de todas as suas aldeias para confrontar os monstros. Decidiram
agir na alvorada, subindo bravamente a serra em busca da lendária gruta, antes
que anoitecesse.
Ao descobrirem o local, os
guerreiros obstruíram as entradas da caverna com palhas secas e folhas verdes,
incendiando-as. Ainda assim, alguns poucos Kupen-dyêb conseguiram escapar por
uma fenda, voando desesperadamente, mesmo à luz do dia, na tentativa de
sobreviver. Resistindo até mesmo às flechadas disparadas pelos Apinajé. Entretanto,
esses alados notívagos que teoricamente remanesceram, nunca mais foram vistos.
Quando a fumaça
dispersou, os Apinajé adentraram o mórbido covil, empunhando longas lanças,
para averiguar se todas as criaturas no interior estavam mortas. Já nas
profundezas, havia apenas um único ser daquela estranha raça que ainda estava vivo.
Era uma criança, encontrada de braços cruzados e levemente encolhida, dormindo
de cabeça para baixo num canto, em meio às pilhas de corpos incinerados, como
um genuíno morcego, mas que de tão nova ainda não tinha asas. Os guerreiros
indígenas queriam matá-la, mas um deles teve piedade e resolveu levá-la para
ser criada em sua aldeia – os outros angariaram enfeites e machados semilunares
para a tribo.
O pequeno Kupen-dyêb adotado
não conseguia adaptar-se aos novos costumes, estava sempre chorando e recusando
qualquer alimentação que não fosse milho. Sua maior dificuldade era para
dormir, pois não queria ficar deitado. Encontrava-se sempre procurando algo no
ar. Assim, o guerreiro que o salvou teve uma ideia. Tentando emular as armações
verticais que testemunhou na caverna do povo morcego, fincou duas forquilhas no
chão e as atravessou com uma vara, onde pendurou a criança de ponta-cabeça. Dessa
forma, ela finalmente conseguia dormir; mas, mesmo assim, poucos dias depois de
sua chegada à aldeia, não resistiu e morreu. Sua memória no entanto não foi
esquecida, pois os Apinajé continuaram a entoar cantigas dos Kupen-dyêb, que
foram brevemente ensinadas pelo pequeno.