O pai de todos os filhos que têm sua
paternidade desconhecida. Atlético, sedutor e ótimo dançarino; um homem muito
bonito e beberrão. Emerge às margens do rio Amazonas nas noites de luar,
especialmente aquelas de muito calor, bem como em noites de festa. Galante, ele
surge trajado de roupas brancas, tal qual seu chapéu, que ele nunca tira, pois
esconde um segredo incomum no topo de sua cabeça: seu espiráculo (orifício
respiratório que certos animais aquáticos possuem). Tal fato traz à tona a
verdadeira identidade do misterioso homem, trata-se de um ser antropomórfico, o
Boto-Cor-de-Rosa.
Mito proveniente da região Norte do país,
contado por todo o Brasil, provoca o termo “filho de boto” no Pará, para
referir-se a alguém que não conhece o pai. São inúmeros nascimentos atribuídos
a ele, talvez como forma de explicar relações extraconjugais, segundo alguns
pesquisadores. Também existem artigos que traçam um paralelo entre a lenda do
Boto e a violência sexual, infelizmente sofrida por muitas mulheres.
As moças por ele encantadas podem ser
abordadas tanto em festas, como enquanto se banham pelos rios ao anoitecer. Sua
descrição de homem atraente varia entre um rapaz branco ou um rapaz negro. Com
seu charme e prosa, o Boto, em sua forma humana, conquista e relaciona-se com
elas, desaparecendo no dia seguinte, quando retorna para as águas. O Boto não
mata, mas se desinteressa. A paixão pela criatura fantástica toma conta dessas
mulheres, deixadas com um filho dele em seu ventre. Variações também o trazem
como um guardião das embarcações com mulheres gestantes, um condutor de
cardumes. Além disso, há uma versão onde o animal transforma-se em uma mulher
voluptuosa de belos cabelos longos, atraindo os homens para seu mergulho –
versão correlata à lenda da Iara, ou Mãe-d'Água.
O naturalista e explorador britânico Henry
Walter Bates, autor do livro "The Naturalist on the River Amazons", publicado
originalmente no ano de 1863, após estudar por onze anos a fauna e a flora da
região amazônica, coletou diversos relatos acerca do mito, salientando,
inclusive, que seria o animal do Amazonas com o maior número de histórias
dotadas de misticismo. Embora não tenha sua lenda propriamente mencionada por
nenhum cronista colonial, Bates cita uma maior probabilidade do Boto ser um
mito de influência dos colonos lusitanos, não dos indígenas – sabe-se que os
portugueses, como tantos outros povos navegadores, detinham um vasto fabulário
de criaturas aquáticas.
Já o
brasileiro Couto de Magalhães, etnólogo e folclorista, em sua obra de 1876 intitulada "O Selvagem", conta que a entidade indígena Uauiará, protetor dos peixes, se
transformara no folclórico animal, o Boto. Namorador entre as mulheres
indígenas, tal entidade poderia surgir na figura de um homem para seduzi-las até
o fundo das águas, em seu palácio submerso. O ilustre folclorista Luís da
Câmara Cascudo confere a popularidade de mitos que envolvem o Boto na
antiguidade, porém, lendas mais antigas não fazem menção ao Boto sedutor, este
teria nascido no século 19. Portanto, seria mito de origem branca e mestiça, mas
com influência nas habitações indígenas ribeirinhas.