Com suas nascentes no
Ceará, e uma monumental passagem por um majestoso cânion repleto de artes
rupestres, o rio Poti desemboca no vasto e notável rio Parnaíba, que divide
politicamente os estados do Maranhão e do Piauí. É justamente pelas águas
desses rios nordestinos, principalmente no enfadonho cair da noite, que a
população teme constantemente deparar-se com uma figura terrível e
completamente grotesca, conhecida como Cabeça de Cuia.
Bastante associada à
Teresina, capital do Piauí, sua lenda conta a história de um jovem pescador
chamado Crispim, que foi amaldiçoado pela própria mãe, tornando-se uma criatura
bizarra e devoradora, de cabeça enorme em forma de cuia. Em algumas descrições
lhe acrescem uma cor esverdeada como o lodo que dizem assentar sua cabeça, em outras,
lhe atribuem uma alta estatura e um corpo cadavérico, com sua cabeleira caindo pela
testa; muitas vezes o ente folclórico também é representado carregando um osso
na mão.
Também existem pequenas variações
quanto ao porquê de tal praga que lhe foi rogada. Alguns folcloristas nos
apresentam uma narrativa na qual o jovem chega em casa bastante chateado depois
de uma péssima pescaria. Frustrado com toda a situação, na hora de comer a
carne bovina ali servida por sua mãe, ao precisar bater o enorme corredor (osso
da canela do boi) para tirar o tutano, ele o faz em cima da cabeça dela, enfurecendo-a
com seu ato desrespeitoso. Assim, em meio às badaladas do sino da igreja ao
meio-dia, a mulher dirige-se para o terreiro do quintal e brada a punição. Cheio
de remorso, o rapaz foge atormentado, lançando-se e desaparecendo nas águas do
rio – ora Parnaíba, ora Poti –, até ressurgir como o errante Cabeça de Cuia.
Já outros folcloristas nos
trazem uma narrativa mais trágica, na qual o jovem chega em sua simplória casa todo
esfomeado e irritado, após não conseguir pescar nenhum peixe, deparando-se com
uma refeição pouco satisfatória: uma rala sopa de ossos. Cansado da miséria que
o cerca, o jovem golpeia a própria mãe na cabeça com um osso, quebrando-lhe o
crânio. Em seus últimos suspiros, a moribunda mulher o amaldiçoa. Então, o ingrato
filho toma o mesmo rumo melancólico da versão citada anteriormente, até sumir nas
águas barrentas do rio, tornando-se um monstro.
Há quem diga que sua
enorme cabeça representa o peso que carrega na consciência, e que desde então,
para quebrar a maldição, ele precisa devorar sete virgens chamadas Maria –
nota-se em seu mito elementos bíblicos relacionados à pureza, além do número
sete, perpetuamente citado na Cabala. Muitos relatos atestam sua aparição em
noites de sexta-feira, além de surgir em períodos de enchente, atacando traiçoeiramente
até mesmo os meninos que nadam nos rios. Assim, o Cabeça de Cuia segue assombrando
a todos, em busca das jovens Marias, embora até o presente momento não tenha
conseguido consumir uma sequer. Azar o do monstro, e sorte a delas.