segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Hága-ti – Mitologia Apinajé

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Hága-ti  Mitologia Apinajé

       A história que será narrada mais adiante, sob a tradição dos Apinajé, habitantes do extremo norte de Tocantins, é um mito de essência comum entre outros povos Timbira, simbolizando a iniciação dos guerreiros. Tal mito foi coletado previamente pelo pesquisador Carlos Estevão de Oliveira, por volta de 1930, e validado, com as variações que permeiam a oralidade, na reedição de 1956 da obra “Os Apinayé”, riquíssima monografia do etnólogo alemão Curt Nimuendajú, que estudou este povo em campo por aproximadamente seis anos.
       O mitológico Hága-ti era um enorme gavião antropófago, tão grande que conseguia carregar os indígenas com suas garras, levando os corpos das vítimas até seu vasto ninho no alto de um imenso jatobá. Em tempos ancestrais, atormentou tanto o povo de uma aldeia Apinajé, que seus moradores tiveram de deixar o local. Os únicos que permaneceram foram um casal de idosos, que cuidavam de seus netos Kenkutã e Akréti, cujos pais também tinham sido mortos pela sedenta ave.
       Desde muito cedo, os irmãos já demonstravam ser uma boa dupla de caçadores, visto que Kenkutã, ainda criança, havia jurado vingança contra Hága-ti, e estava sempre caçando outras aves menores. Era um talento nato. Como se estivesse se preparando junto do irmão, para o derradeiro dia em que confrontassem o grande gavião devorador de humanos.
       Ambos passaram a viver em um jirau de varas feito pelo avô, em um tronco caído que ia de uma margem à outra de um ribeirão, formando uma ponte rústica. Os dois meninos cresceram depressa, graças a uma alimentação especial, tornando-se vigorosos guerreiros. Foi quando o ancião talhou para cada um deles uma resistente e afiada borduna, letal como uma espada de madeira cortante. Estrearam então suas novas armas caçando facilmente uma anta, que serviu de um saboroso banquete ao lado dos avós.
       O velho indígena, constantemente espantando com a habilidade dos netos, entendeu que eles estavam finalmente prontos para enfrentar o temido Hága-ti. Assim, com sua esposa, pintou o corpo dos irmãos para a batalha, e os acompanhou até o lendário jatobá. Chegando ao local, Kenkutã e Akréti entraram com suas armas dentro de uma singela cabana fechada, que havia sido preparada pelo avô com palhas e ramos, enquanto a criatura alada não estava.
       Estrategicamente, Akréti, que era o mais rápido dos dois, saía da cabana para provocar e atrair Hága-ti, e depois corria para dentro. Em uma violenta rasante, a ave gigante velozmente descia para tentar abocanhá-lo e, sem sucesso, também voltava de imediato para o alto de sua morada. Já impaciente, Kenkutã também tentou a sorte, mas sua lentidão em relação ao irmão quase lhe custou a vida; pois foi derrubado pelo simples bater de asas de Hága-ti, e quase não voltou para a cabana a tempo.
       Passadas várias horas dessa incansável perseguição, depois de muitas idas e voltas, na metade do dia o poderoso gavião já se encontrava exausto. Ao tentar apanhar Akréti mais uma vez, não teve energia para erguer voo novamente e retornar ao ninho; precisou permanecer no chão. Naquele momento, os irmãos aproveitaram a brecha e saltaram sobre seu corpo descomunal, atravessando-o brutalmente com as bordunas. Hága-ti, enfim, estava morto. Alguns dizem que de seus ossos foram feitas incontáveis flautas para serem tocadas em festas dos Apinajé; outros, que suas penas transformaram-se em passarinhos de toda a espécie. Mas o que ninguém mesmo duvida, é que Kenkutã e Akréti provaram ser bravos e astutos guerreiros.

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