A história que será narrada
mais adiante, sob a tradição dos Apinajé, habitantes do extremo norte de
Tocantins, é um mito de essência comum entre outros povos Timbira, simbolizando
a iniciação dos guerreiros. Tal mito foi coletado previamente pelo pesquisador Carlos
Estevão de Oliveira, por volta de 1930, e validado, com as variações que
permeiam a oralidade, na reedição de 1956 da obra “Os Apinayé”, riquíssima
monografia do etnólogo alemão Curt Nimuendajú, que estudou este povo em campo
por aproximadamente seis anos.
O mitológico Hága-ti era
um enorme gavião antropófago, tão grande que conseguia carregar os indígenas
com suas garras, levando os corpos das vítimas até seu vasto ninho no alto de
um imenso jatobá. Em tempos ancestrais, atormentou tanto o povo de uma aldeia
Apinajé, que seus moradores tiveram de deixar o local. Os únicos que
permaneceram foram um casal de idosos, que cuidavam de seus netos Kenkutã e
Akréti, cujos pais também tinham sido mortos pela sedenta ave.
Desde muito cedo, os
irmãos já demonstravam ser uma boa dupla de caçadores, visto que Kenkutã, ainda
criança, havia jurado vingança contra Hága-ti, e estava sempre caçando outras
aves menores. Era um talento nato. Como se estivesse se preparando junto do
irmão, para o derradeiro dia em que confrontassem o grande gavião devorador de
humanos.
Ambos passaram a viver em
um jirau de varas feito pelo avô, em um tronco caído que ia de uma margem à
outra de um ribeirão, formando uma ponte rústica. Os dois meninos cresceram
depressa, graças a uma alimentação especial, tornando-se vigorosos guerreiros. Foi
quando o ancião talhou para cada um deles uma resistente e afiada borduna, letal
como uma espada de madeira cortante. Estrearam então suas novas armas caçando facilmente
uma anta, que serviu de um saboroso banquete ao lado dos avós.
O velho indígena, constantemente
espantando com a habilidade dos netos, entendeu que eles estavam finalmente
prontos para enfrentar o temido Hága-ti. Assim, com sua esposa, pintou o corpo
dos irmãos para a batalha, e os acompanhou até o lendário jatobá. Chegando ao local, Kenkutã e Akréti entraram
com suas armas dentro de uma singela cabana fechada, que havia sido preparada pelo
avô com palhas e ramos, enquanto a criatura alada não estava.
Estrategicamente, Akréti,
que era o mais rápido dos dois, saía da cabana para provocar e atrair Hága-ti,
e depois corria para dentro. Em uma violenta rasante, a ave gigante velozmente
descia para tentar abocanhá-lo e, sem sucesso, também voltava de imediato para
o alto de sua morada. Já impaciente, Kenkutã também tentou a sorte, mas sua
lentidão em relação ao irmão quase lhe custou a vida; pois foi derrubado pelo
simples bater de asas de Hága-ti, e quase não voltou para a cabana a tempo.
Passadas várias horas dessa
incansável perseguição, depois de muitas idas e voltas, na metade do dia o poderoso
gavião já se encontrava exausto. Ao tentar apanhar Akréti mais uma vez, não teve
energia para erguer voo novamente e retornar ao ninho; precisou permanecer no
chão. Naquele momento, os irmãos aproveitaram a brecha e saltaram sobre seu
corpo descomunal, atravessando-o brutalmente com as bordunas. Hága-ti, enfim, estava
morto. Alguns dizem que de seus ossos foram feitas incontáveis flautas para
serem tocadas em festas dos Apinajé; outros, que suas penas transformaram-se em
passarinhos de toda a espécie. Mas o que ninguém mesmo duvida, é que Kenkutã e
Akréti provaram ser bravos e astutos guerreiros.