Com a invasão dos europeus, trazendo
olhares baseados em suas crenças locais, e experiências imagéticas navegando
por outros continentes, rapidamente o chamado Novo Mundo se viu como território
fértil para as figuras lendárias originadas desses olhares, adaptadas ao nosso
espaço. Exemplo disso está na lenda dos Raias, que foi originada no mito dos
Blêmios.
Provenientes das descrições do
naturalista romano Plínio, o Velho, ao documentar os conhecimentos dos
navegantes sobre a África, os Blêmios (que constituíram de fato um povo nômade
africano, mas claro, sem os aspectos monstruosos da lenda) foram citados como
uma raça de criaturas na forma de humanos gigantes, com mais de dois metros e
meio de altura, desprovidos de cabeça. Com seu par de olhos, seu nariz e sua
boca, localizados na altura dos ombros e do peito. Assim popularizaram-se nos
bestiários da Antiguidade, estabelecendo-se na Idade Média, e chegando até a
Idade Moderna.
Os Blêmios possuem semelhantes míticos
tanto pela Ásia, quanto pelo Caribe, bem como na América do Sul; justamente nas
regiões entre Venezuela e – principalmente – Guiana, onde eram chamados de
Ewaipanomas, ressoando em terras brasileiras por Roraima, onde ficaram
conhecidos como Raias. Foram nomeados de tal forma por conta da estranha face
em seu tronco, que parecia a vista ventral do peixe arraia. De acordo com os
naturalistas alemães Martius e Spix, que fizeram uma importante e profunda
expedição pelo Brasil colonial documentando nossa biodiversidade, esses
gigantes acéfalos também se viram narrados por indígenas ao longo do rio
Amazonas.
Segundo
as lendas, os
Raias viviam como uma tribo, armados de arcos e flechas. É possível vê-los em
histórias e gravuras que representavam a busca dos exploradores pela lendária
El Dorado, quando acreditavam que ela se encontrava no Planalto das Guianas, que no Brasil abrange os estados de Roraima e
Amapá, além do norte de Amazonas e Pará.
Este processo de miscigenação e
integração relacionado aos mitos é natural, ocorreu por exemplo com a lenda
africana do Quibungo, que enraizou-se no Brasil. Mas, no caso dos relatos
europeus daquela época, estimulados pela estética da cartografia e contrapondo
o fato de serem uma legítima raça de seres da antiguidade, existe a hipótese de
criaturas como os Raias – e Blêmios – serem uma consequência da intenção dos
exploradores de persuadirem e justificarem-se, através de relatos aumentados e
fantasiosos, para angariar apreço diante daqueles que bancavam suas aventuras.
Também é discutido se os Blêmios tem
relação com o mito do Mapinguari; ou que os Raias tenham sido originados na
verdade a partir de uma variação da entidade Kanaimî, das tradições indígenas
Macuxi e Wapichana, como se os Raias fossem uma versão mais uniforme e
ligeiramente mundana. Não descartando também que sejam todos arquétipos e
conceitos que se influenciaram e complementaram ao longo das incursões da
humanidade.
Os gigantes Raias não dão mais as caras
desde meados do século 19. Resta saber se foram extintos, ou se simplesmente
sumiram do imaginário do extremo norte do Brasil.