Por eras, o mito do dragão tem se difundido de tamanha forma, que a criatura mitológica se
apresenta com as mais variadas características, se conectando às tantas condições da natureza.
Sendo assim, embora comumente ligados ao elemento fogo, em inscrições antigas e no
bestiário mundial também encontramos dragões aquáticos, a exemplo, no Brasil, do dantesco
Goslandariu – o qual considero possuir aspectos dracônicos. Além dele, também temos outra
dessas feras no imaginário das nossas águas, um ser ancestral que será narrado adiante: o
Dragão da Baía de São Marcos.
O cronista, historiador e pesquisador Jomar Moraes, no livro “O rei touro e outras lendas
maranhenses”, de 1980, traz a lenda alcantarense que, embora povoada por indígenas em sua
narrativa, não parece ser de origem autóctone, mas sim de um emaranhado com possível
influência europeia.
Em tempos históricos, no Maranhão, onde hoje se situa a cidade de Alcântara, dentro de
um aglomerado de aldeias tupinambás se destacava aquela chamada de Tapuitapera. Conta-se
que ali havia um poderoso líder indígena, pai do menino mais belo da tribo. Certo dia, o
jovem estava a se banhar tranquilamente à beira do mar, no local posteriormente conhecido
como “forte”. Até que, das profundezas da baía formou-se um caos borbulhante, causado
pelos movimentos estrondosos de um bicho enorme que se aproximava pelas águas. Numa
fração de segundos, um dragão se revelou e o surpreendeu, abocanhado-o ferozmente para os
enegrecidos confins do mar.
A prematura e trágica morte do garoto desgastou a mente daquele pai desconsolado, que
ansiava por vingança. Irado, o líder indígena convocou o guerreiro mais famoso e destemido
que se havia notícia. Confiando a ele a missão de matar o monstro.
Passadas algumas trocas entre a lua e o sol, brutais rugidos irromperam os ouvidos da
tribo. Derradeiro sinal. Era o dragão que se erguia, triunfante na superfície das águas, e ávido
pela próxima caçada. Contudo, o grande réptil da água foi logo surpreendido por uma certeira
e mortal flechada do guerreiro, que atravessou o seu coração. O dragão já moribundo
arremessou-se contra a península, abrindo uma gigantesca fenda. E, com um pavoroso urro de
agonia, desapareceu.
O antropólogo e egiptólogo australiano Grafton Elliot Smith, em sua obra “The Evolution
of the Dragon”, publicada originalmente em 1919, cita que os dragões apresentam uma
inclinação especial pela água em diferentes mitologias, exercendo até mesmo controle sobre
ela. A pesquisadora Giovanna Chinellato cita o autor e ainda nos conta, em seu artigo
“Reflexos nos olhos do Dragão: uma saga da relação homem-natureza a partir das narrativas
de dragões” (2017), que as margens das águas trazem um forte senso de vulnerabilidade
frente aos predadores, daí algumas das associações da água aos dragões. Desse modo, eu me
pergunto, teria assim se originado a lenda do Dragão da Baía de São Marcos? Provavelmente.
O fato é que hoje, o canal que foi bruscamente aberto pelo Dragão da Baía de São
Marcos é conhecido como Canal do Jacaré, e separa do continente a porção de terra
conhecida como Ilha do Livramento. Provando as consequências colossais e perpétuas de se
enfrentar uma fera dominadora do mar.