A observação e os mistérios do
céu contemplam a base do conhecimento da maioria dos povos da antiguidade. Esses
registros dos fenômenos celestes foram impulsionados pela influência das
estações do ano e das variações do clima sobre a fauna e a flora – desde os
primórdios tais fenômenos cíclicos controlam atividades como caça, coleta e
lavoura. O dia e a noite, a compreensão
das movimentações do sol e das fases da lua, além da percepção da localização
das constelações, sempre auxiliaram nossa sobrevivência.
No entanto, esse ciclo
harmonioso que a maioria dos povos buscavam nos céus era quebrado com a chegada
de um eclipse. Tal evento simbolizava o caos e a ruptura do equilíbrio.
Fenômeno constantemente ligado aos mitos de destruição do mundo. Assim, diversas
culturas simbolizavam os eclipses solares ou lunares com uma imensa criatura
monstruosa devorando o sol ou a lua. A exemplo dos lobos gigantes Hati e Sköll,
perseguidores e devoradores da lua e do sol – respectivamente –, que são peças-chave
do Ragnarök, o fim do mundo na mitologia nórdica.
Em terras sul-americanas a
conexão entre criaturas catastróficas e eclipses também ocorre. O folclorista
norte-americano James Deutsch, em seu artigo “Swallowing the Sun: Folk Stories
about the Solar Eclipse”, publicado em 2017, narra uma crença do povo Apopocúva-Guarani
do Brasil e do leste do Paraguai, na qual dizem que os eclipses solares são
causados pelo Morcego Eterno ou pela Onça Celeste – seres mitológicos extremamente
poderosos e devastadores. Acreditam que chegará o dia em que essas duas
entidades destruirão as estrelas e a humanidade, desencadeando o fim do mundo. O
premiado cientista brasileiro Germano Bruno Afonso, físico e astrônomo,
especialista em arqueoastronomia e estudioso das constelações indígenas, em seu
artigo “Saberes astronômicos dos tupinambás do Maranhão”, publicado em 2012, também
fala em tom apocalíptico sobre a temida Onça Celeste, trazendo complementos à
lenda.
A Onça Celeste é um espírito maligno da Mitologia
Tupi-Guarani, entidade calamitosa relacionada aos eclipses. Causadora da
escuridão e de incalculáveis pavores, a Onça Celeste é representada como uma criatura
colossal de cor e aura azuladas, um ser primordial de dimensões inconcebíveis, tão
titânico que seu olho direito é representado pelas estrelas vermelhas de
Antares, da constelação de Escorpião, e de Aldebaran, da constelação de Touro. Essas
constelações ficam em oposição no zodíaco; declarando a vastidão da entidade que
se localiza em dois lugares opostos do céu.
É dito que a Onça Celeste está sempre perseguindo os irmãos
Guaraci e Jaci (sol e lua), que a importunam desde os princípios do espaço e do
tempo, praticando diversas traquinagens contra ela. A fera azul e impiedosa
transforma os céus em seu terreno de caça, abocanhando e arrancando pedaços de
Jaci – dilacerações manifestas nas fases da lua. O eclipse lunar é a
consequência fatal das vezes que a Onça Celeste consegue devorá-la por completo,
enquanto os fenômenos que invocam um luar avermelhado são o próprio sangue de
Jaci. No entanto, Guaraci sempre ressuscita e salva sua entidade irmã, fazendo
a lua ressurgir gloriosamente.
Porém, mesmo com as astutas
intervenções de Guaraci, um medo ainda paira sobre os Tupis-Guaranis. Temem o
dia em que a Onça Celeste, após banquetear-se de Jaci, também consiga devorar o
sagaz irmão, ocasionando seu reinado de destruição. Então, neste caso, para
evitar que a Terra seja coberta pela mais perturbadora tenebrosidade total, os indígenas
fazem uma tremenda barulheira durante os eclipses, tentando espantar a entidade
maléfica antes que ela também devore o sol – erradicando a luz e trazendo o fim do mundo.
Gostei do artigo. Obrigado pela informação útil. Seria interessante também citar a fonte onde encontrou a informação.
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