Não se enganem pela
injustiça que a língua portuguesa faz ao trazer significados pejorativos ao seu
nome, pois a anta na realidade é um animal muito inteligente e robusto. Maior
mamífero do Brasil, ela também carrega no fabulário brasileiro um papel de
força física e arrebatamento orgulhoso. Sua figura é tão relevante e presente
em nosso folclore, que tem relação até mesmo com a fundação da cidade de Nova
Cruz, no interior do Rio Grande do Norte.
No início do século 17, os
primeiros moradores que ali chegaram logo se instalaram às margens do rio Curimataú.
Primeiramente o local foi chamado de Urtigal, pela grande quantidade de urtigas
ali existentes. Depois, devido à história que contarei a seguir, teve seu nome
mudado para Anta Esfolada.
O município potiguar era
repleto de fazendeiros, que viam o sólido e resistente couro da anta como um
excelente material para sandálias e bruacas. Abatiam o pobre animal
incessantemente. No entanto, dentre todas elas, existia uma anta indomável. De
contornos fantásticos, seu corpo avantajado exalava uma aura maligna, desnorteando
os caçadores e rondando pelas casas, com arranques velozes e urros
amedrontadores. Diziam que o caçador que capturasse tal criatura teria muito
azar.
Ainda assim, houve um
homem que desafiou a sorte. Esse tarimbado caçador conseguiu pegá-la numa
armadilha. Feliz da vida, pensando que sua tarefa estava quase cumprida,
decidiu arrancar a pele do animal ainda vivo. Empunhando firmemente sua faca,
quando deu o primeiro talho, viu o bicho sair em disparada, fugindo para dentro
da mata. Ao olhar para suas mãos ensanguentadas, percebeu que todo o couro do
animal tinha ficado para trás. A anta havia sobrevivido, sem pele. Exibindo-se
grotescamente com as carnes à mostra.
Depois daquele fatídico
dia, tudo piorou. Por vários anos, a Anta Esfolada assombrou a cidade, que
ficou conhecida pelo nome do monstro. Sua terrível presença era facilmente
percebida por um rastro de sangue e gordura deixado em cada passo que dava com
sua repulsiva musculatura exposta. Muito mais enfurecida, reinava por aquelas
paragens, ainda em disparada e roncando alto; envolvendo-se em inúmeros relatos
de terror. Exaustos com aquela situação, os moradores locais tiveram a certeza
de que havia toda uma atmosfera diabólica envolvendo a cidade. Com isso, um
missionário foi chamado para exorcizar aquelas terras.
Em sua cerimônia, combateu
a entidade corrompida, bradando palavras sagradas e aspergindo água benta por
todos os cantos visitados por ela. Ao final, com galhos de inharé vindos de
Santa Cruz, ergueu uma grande cruz no ponto mais alto do caminho por onde a
criatura costumava fazer suas incursões. Desde então, o nome Anta Esfolada foi
deixado de lado. A cidade foi nomeada definitivamente como Nova Cruz, e a
monstruosidade nunca mais apareceu.